1 de setembro de 2012

Aquele dia


Tem algumas fotos que ficam com a gente.
Essa é uma. Vou contar como foi o dia que fiz ela e depois quando a descobri meses depois.


Foi em julho de 2005. Nossa, já se passaram sete anos, tanta coisa aconteceu que é incrível pensar no rumo da vida. Agora nessas férias (motivo que estive tão ausente e que prometo que logo vou colocar muitas fotos para vocês) voltei para esse exato lugar. A neblina de água ainda estava lá, só que dessa vez sem as crianças.
Lembro desse dia com muita vivacidade, lembro de observar a alegria delas correndo naquele dia quente de verão. A felicidade, a liberdade de ser criança, as risadas e brincadeiras, a energia inesgotável de correr de um lado para o outro no meio de uma neblina branca de jatos de água. A sensação de felicidade e pureza dessa cena ficaram marcadas em mim.

Um outro motivo que essa foto para mim é tão especial é por ser uma foto logo no início da minha descoberta fotográfica. Ela foi feita com minha linda e amada K1000zinha minha pentax, câmera de filme totalmente mecânica que foi fundamental para meu processo de aprendizado, foi com ela que digo que aprendi a fotografar de verdade porque pela primeira vez aprendi a ter o controle total ao tirar uma foto. 
Ainda posso sentir o peso dela em minhas mãos. Até consigo ouvir o som de quando apertava o disparador e de quando puxava o gatilho para mover o filme para a próxima foto. Som do puro amor. 
Lembro de como esperava antes de clicar, como media a cena e como era mais cautelosa do que sou hoje. 

O valor que cada foto dessa época tem para mim é muito grande. Lembra um momento em que vivi, um marco de quando a fotografia entrou em minha vida. E também me faz lembrar de como cada foto era consciente, por ter todo esse preparo e toda a paciência antes de apertar o botão. Esperava o momento ideal para clicar, esperar o filme revelar no laboratório e finalmente depois esperava para ampliar cada foto com minhas próprias mãos. 
Haja paciência ;)   Na realidade,  isso é um eterno aprendizado!
(uma observação: aprendi na faculdade que o termo correto é ampliar uma foto e não revelar. você revela o filme, e a foto você amplia, mas hoje em dia todo mundo fala revelar a foto.)

E no fim aquela foto que você captou é único! Um momento que passou, que você viu algum significado e que depois você esperou tanto tempo para finalmente poder ver a imagem pela primeira vez no papel.  E como vale a pena!!




Acho que demorei mais de 3 meses para ampliar essa foto. Claro que uma das primeiras coisas que fiz quando voltei dessa viagem de 2005 foi mandar revelar todos os meus filmes, mas somente os filmes. As fotos eu sempre gostei de revelar eu mesma no darkroom da faculdade, o laboratório onde se amplia as fotos, daqueles que tem a lâmpada vermelha que a gente vê em filmes. 
Nossa, podia passar horas lá naquela escuridão vermelha! Bons, bons tempos! 
Com o filme revelado, logo fazia o contato. O contato é uma folha de provinha, uma folha A4, uma foto das tiras do negativo, assim você pode ver o negativo no papel com as fotos bem pequenininhas. É uma forma melhor de você conseguir ver e estudar a foto do que ficar vendo pelo negativo colocando contra a luz. 

E o interessante que vendo essa foto pequenininha na folha de contato junto com tantas outras, ela demorou para me chamar atenção.
Até que em um dia em que estava dando tudo errado, essa foi a foto que escolhi.
Sabe aquele dia em que a cidade está misteriosamente sem trânsito mas todos os faróis estão vermelhos?  E que depois você descobre uma caneta estourada na sua bolsa, que esqueceu a carteira em casa... Lembro que estava constantemente fazendo bobagem no lab (darkroom) e acabei queimando umas 3 folhas por pura distração. 
Bom, para ampliar uma foto você precisa estar muito atento e presente para que as coisas dêem certo. E esse realmente não era o dia. Era aquele dia que queira gritar como louca por pura raiva por todas as coisas estarem dando tão errado. Mas não gritei.

Talvez por isso tenha sido recompensada por essa foto. Escolhi ela totalmente ao acaso, coloquei o negativo no ampliador e acendi a luzinha. Logo a foto apareceu na mesa onde pude ajustar o foco e o enquadramento antes de colocar o papel fotográfico para expor na luz. 
Depois de fazer o test strip para escolher a exposição que mais me agradava e finalmente fui ampliar a foto. 
Primeiro coloquei o papel no líquido do revelador, um minuto e meio mexendo de leve na bandeja, a foto começa a tomar forma e aparecer naquele papel branco. Depois 30 segundos na bandeja com o líquido do interruptor, mais dois minutos no fixador e depois pelo menos 3 minutos na água corrente para lavar a foto. 
Acho que com todo o processo desde a escolha da foto, test strip, até a ampliação deveria durar em torno de 20 minutos por foto, talvez mais. Hoje, digitalmente pode demorar 30 segundos. Claro que em alguns casos demora mais que isso, tudo varia, tudo depende.
Então depois desses 20 minutos você finalmente sai do laboratório onde tudo é escuro e vermelho e vai para a luz que cega lá do lado de fora. Demora um pouquinho até seu olho se adaptar novamente a tanta luz. E então... você vê!

Agora está você e a foto em suas mãos. Pela primeira vez você pode ver ela grande com todos os seus detalhes. Você ver e sentir a textura do papel ainda um pouco úmido e com o cheiro dos químicos. O seu olho percorre por todos os detalhes e tudo que você sentiu no momento em que tirou a foto começa a voltar. 
A foto te leva para lá novamente. Eu pude ouvir os gritos e as risadas de alegria daquelas crianças, pude ver, dessa vez mais de perto, como aquele dia, aquele exato momento foi especial para elas. Senti o calor do sol, o frescor da água e vi estampado no rosto delas uma felicidade tão grande que nem a língua consegue caber dentro da boca.

E naquele dia que ampliei e vi a foto pela primeira vez, no dia em que tudo estava dando errado, nunca imaginei que uma foto em preto e branco poderia deixar o resto do meu dia colorido.
Por essas e outras que essa foto até hoje me traz todos esses sentimentos de volta. Tenho tudo muito vivo, a cena e o momento de descoberta da foto. 
Hoje quando vejo ela, percebo o que essa foto traz para mim a essência da infância, de ser feliz com o mais simples que a vida pode te oferecer.

E quem sabe foi ai que percebi que fotografar crianças é a melhor coisa do mundo!